INSEGURANÇA JURÍDICA NO REPETRO
No momento em que o Brasil passa por uma grave recessão e necessita de investimentos, sendo um deles na exploração de óleo e gás natural, seria natural que fossem editadas normas para incentivar estes investimentos e oferecendo segurança jurídica aos investidores.
Foi publicada a IN SRFB 1.743, de 26 de setembro de 2017, que dispõe sobre o regime aduaneiro especial de utilização econômica destinado a bens a serem utilizados nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção das jazidas de petróleo e de gás natural (Repetro-Sped).
Esta IN era esperada para regulamentar o existente Repetro, que teve este ano duas novidades: uma, não muita novidade, que foi a prorrogação do prazo da isenção do pagamento proporcional dos tributos incidentes na importação temporária dos bens destinados a indústria de exploração e produção de óleo e gás, outra que permite a importação de bens e insumos que se destinem futuramente ao Repetro-SPED.
Tenho exposto em livros e comentários que existem nesta nova legislação dois pontos relevantes que demonstram mais uma vez a insegurança jurídica existente no Brasil:
• A isenção, ora prorrogada, foi concedida inicialmente em 1999 e vem sendo sucessivamente renovada. Mas, tratando-se de um setor onde investimentos são planejados para prazos de trinta/quarenta anos, estas prorrogações com prazos reduzidos geram insegurança jurídica, sendo de notar que a atual prorrogação se deu a menos de três anos do mais recente prazo e que o prazo até 2040 não é suficiente para investimentos de longo prazo nas áreas do pré-sal. A isenção foi concedida para as atividades ligadas à extração de óleo e gás porque a Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, dispôs que os bens com utilização econômica ficam sujeitos ao pagamento dos tributos incidentes na importação, proporcionalmente ao prazo que permanecerem no Brasil, e possibilitou, por uma Medida Provisória ainda não convertida em Lei – a de n° 2.189-49/2001, que o Poder Executivo pudesse conceder isenções, algo que a rigor só poderia ser feito por Lei. Assim a isenção prorrogada se utiliza de uma exceção prevista em Lei e não uma Lei específica e foi concedida por uma Medida Provisória até hoje não examinada pelo Congresso Nacional, que teoricamente pode derrubá-la.
• Na contramão das legislações de outros países, em que se procura simplificar as mesmas, trata-se incentivos tributários com uma confusa criação de diversos regimes aduaneiros. Primeiro tratando suspensão de pagamento de tributos de maneira diversa do Código Tributário Nacional e transformando suspensão em isenção após determinado prazo. Segundo porque na realidade existem apenas as seguintes modalidades de regimes aduaneiros: trânsito, industrialização, armazenamento e utilização temporária. O Repetro pela definição do Regulamento Aduaneiro já se utiliza de regimes e procedimentos diferentes, mas agora temos um “novo” Repetro em que se coloca mais uma função para aumentar a complicação, a de industrialização.
O Repetro, tanto o antigo quanto o novo Repetro-Sped, carece de uma base em Lei. Não podemos confundir o Repetro com o Regime instituído pela MP 795/2017. A base legal atual dos dois Regimes Repetro é o artigo 458 do Decreto 6.759, de 05 de fevereiro de 1979, significando que não existe uma Lei específica criando o Regime Aduaneiro Especial Repetro e sim um Decreto que se utiliza de uma delegação de competência concedida por um Decreto-Lei com força de Lei, o artigo 93 do Decreto-Lei 37, de 18 de novembro de 1966, com a redação dada pelo Decreto –Lei 2.472, de 1 de setembro de 1988.
Ao mesmo tempo em que o Decreto 9.128/2017 prorrogava o Repetro até 2040, foi editada a Medida Provisória – MP 795, que criou mais um regime: o de “importação com suspensão do pagamento dos tributos federais de bens cuja permanência no País seja definitiva e destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, previstas na Lei nº 9.478, de 1997, na Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010, e na Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010”. Não seria mais correto, mais seguro juridicamente falando, que a Medida Provisória regulamentasse todo o Regime? Não seria mais simples que a Medida Provisória pura e simplesmente tratasse da isenção de tributos para a indústria de óleo e gás?
Porque agora existe uma dualidade de tratamento do Regime Repetro, um tratamento dado pela MP que suspende tributos federais e depois transforma esta suspensão em isenção, outro tratamento dado por um Decreto que cria um Regime concedendo isenção dos mesmos tributos federais até 2040. Para completar a confusão a MP determina que essas regras sejam aplicadas a bens constantes de uma lista que será editada pela Secretaria da Receita Federal (outra insegurança jurídica, porque as listas podem ser mais facilmente trocadas) e dá um prazo de aplicação até 2022.
A IN ao procurar regulamentar os dois Regimes, concede a isenção até 2040 e cria duas listas, uma para o Repetro por admissão temporária e outra para bens que permaneçam no País. Acresça-se a esta dualidade, àquela de existirem bens admitidos em duas diferentes INs anteriores que tratam do Repetro e duas INs que tratam da Admissão Temporária (uma anterior).
Qual a razão da citação, no preâmbulo da IN sobre Repetro, da legislação que trata de Regime de Entreposto Industrial, de Entreposto Aduaneiro e de exclusão de crédito tributário por perdas de mercadoria?
Pode uma Instrução Normativa limitar o alcance de Leis ou Decretos, como o faz em contratos de afretamento, admissão de FPSOs e no impedimento de empresa estrangeira ter uma empresa habilitada ao Repetro no Brasil?
O Repetro trata ainda da exportação sem saída do território nacional, cuja base legal foi dada pelo art. 6º da Lei nº 9.826, de 23 de agosto de 1999. Esta Lei mais a Lei n° 10.833, de 29 de dezembro de 2003, foram regulamentadas no assunto Exportação sem saída do território nacional pelo Decreto 6.759, de 06 de fevereiro de 2009 – Regulamento Aduaneiro. Note-se que o mesmo Decreto considera exportadas as mercadorias admitidas no Regime de Depósito Especial Certificado – DAC em seu artigo 234 citando a base legal. Se já existe uma Lei porque repeti-la como novidade?
Uma conclusão final, o texto não está mal escrito, mal escritas estão as legislações brasileiras.
Pensem bem, como explicar este encadeamento legal acima a um investidor, brasileiro ou estrangeiro, a seus Assistentes, Advogados e Auditores?
Precisamos simplificar o Brasil.
10 de outubro de 2017
Paulo Cesar Alves Rocha