Hoje vamos dedicar um tempo para discutirmos sobre a obrigação legal de os recintos alfandegados possuírem e administrarem sistemas dedicados a controlar e monitorar as operações em suas áreas. 

O agora…

Até o presente momento, as áreas alfandegadas devem obedecer à duas normas no que tange aos sistemas de controle:

  1. o ADE COANA COTEC nº 2/2003 responsável por estabelecer os parâmetros do sistema de controle de acesso de veículos, pessoas e cargas; e
  2. ADE COANA COTEC nº 28/2010 dedicado a prover os requisitos técnicos mínimos do sistema de monitoramento e vigilância, dotado de câmeras capazes de captar imagens com nitidez, inclusive à noite.  

Na prática, os sistemas funcionavam separadamente e, até certo ponto, de forma autônoma, isso porque além de suas funções serem distintas, as matérias foram divididas em duas normas, conforme vimos.  

Assim, esse modelo vinha funcionamento por quase duas décadas e permanecia praticamente intocável.

Passava-se o tempo e pouco se falava sobre uma atualização, pois, diga-se de passagem, sabemos sobre a importância de a legislação aduaneira ser aprimorada com o tempo.

Além da inevitável atualização tecnológica, o alinhamento entre teoria e prática é fundamental no Comex. Por vezes demasiados requisitos fixados na norma extrapolam os limites do razoável.

Nesse sentido, nos anos mais recentes, várias minutas de atos infralegais foram disponibilizadas para consulta pública. Por exemplo, tivemos a oportunidade de acessar e opinar sobre a:

  1. IN RFB 1.984/2020 sobre habilitação no Siscomex,
  2. IN RFB 1.282/2012 que trata da descarga direta na importação de carga a granel e;
  3. Portaria SECEX 44/2020 sobre o regime de Drawback.

No dia 02 de março de 2022 entrou em vigor a Portaria RFB 143, de 22 de fevereiro de 2022, e, infelizmente, a sua minuta não foi previamente divulgada.

De fato, por mais que a matéria seja demasiadamente preponderante e sensível ao controle de nossas fronteiras, há sempre espaço para o diálogo com a sociedade civil. E, a nosso ver, a interação teria sido de grande valia.  

A nova proposta da RFB

Sem mais delongas, foquemos na API-Recintos.  

A publicação da Portaria RFB 143, de 22 de fevereiro de 2022, no dia 18 do mesmo mês, inaugurou, oficialmente, uma nova fase, a API-Recintos.  

Oficialmente, porque em verdade esse projeto foi anunciado com bastante antecedência, lá em 2019, mas a divulgação foi realizada a partir da publicação de uma Notícia Siscomex, a 006 de 2019, sem muitos detalhes.

No entanto, a Notícia já começava de forma certeira: a COANA está trabalhando para substituir o ADE COANA COTEC nº 2/2003. A proposta: o desenvolvimento da API (Application Programming Interface) para receber os dados enviados pelos recintos a ser implementado pelo Serpro e denominado de Módulo Recintos no Portal Único. 

Como todos sabemos, o objetivo do Portal Único vem sendo o de centralizar tudo num ambiente só, em consonância com o Acordo Internacional de Facilitação de Comércio, no qual o Brasil é parte signatária. 

A divulgação dos eventos da API-Recintos

Assim, em novembro de 2019, tivemos mais uma Notícia. A previsão para divulgação de 11 eventos havia sido marcada para março de 2020. Porém, ela ocorreu em abril, conforme divulgado pela Notícia Siscomex Sistemas 004/2020. 

Os eventos são as ocorrências das operações nos recintos alfandegados e de interesse da fiscalização aduaneira. Por exemplo, o controle de acesso de veículos rodoviários é um evento. O embarque de navio é outro e assim por diante.

Atualmente, a API conta com 22 eventos (endpoints) no total. A intenção é atender a variados tipos de operações que ocorrem nos mais diversos recintos alfandegados de interesse da fiscalização. A parte boa é que os dados solicitados pelos 22 eventos foram bastante reduzidos se comparados aos requisitados pelo ADE 02/2003. 

Embora essas informações não sejam oficiais, não publicadas por meio de uma norma no DOU, o projeto não perdeu fôlego.  

Nesse sentido, a COANA já vem alertando desde o início sobre a necessidade de os recintos alfandegados avaliarem seus controles internos. Por conseguinte, devem identificar e implementar as alterações necessárias em seus sistemas para que atendam a API-Recintos. 

Igualmente, foi disponibilizado um ambiente de homologação e, para acessá-lo com vistas a realização de testes, há diversas instruções que devem ser seguidas. Todas elas podem ser conferidas no seguinte endereço: https://api-docs.portalunico.siscomex.gov.br/swagger/rcnt.html

A nova configuração dos sistemas

Inadvertidamente, a Portaria RFB 143, de 2022, estipulou uma data oficial para que os recintos alfandegados se adaptem à nova modalidade dos sistemas informatizados. Agora denominados de SICA (Sistema Informatizado de Controle Aduaneiro). 

A data limite é de 20/06/2022 (ATUALIZAÇÃO: foi adiada para 30/11/2022).

De acordo com essa nova configuração, o sistema de monitoramento e vigilância e o de controle de acesso devem operar em conjunto e juntos eles irão formar o SICA, conforme pontua o caput do art. 17 da norma.

O objetivo: transmitir em tempo real, à RFB, imagens, arquivos e informações coletados pelo sistema.

As novas premissas básicas

Sendo assim, a Portaria estabeleceu alguns novos pressupostos básicos sobre os sistemas que vão de encontro à antiga norma. Primeiramente, vamos comentar sobre os atributos de um braço do SICA, o sistema de monitoramento e vigilância: 

  1. as imagens gravadas devem ser identificadas com data, hora e localização das câmeras;
  2. seus dados devem ser mantidos pelo prazo mínimo de 180 dias, contado da data de sua transmissão. Antes eram 90 dias;
  3. a Equipe de Alfandegamento pode exigir a instalação de portais detectores de metal. A exigência pode se aplicar tanto nos pontos de acesso ao recinto ou quanto nos acessos às áreas segregadas;
  4. o mesmo vale para portais detectores de metal, equipamentos de marcação e detecção eletrônica de bens onde houver terminal internacional de viajantes;
  5. finalmente, o OCR (Optical Character Recognition) foi oficialmente instituído. Anteriormente o texto da norma impunha somente a finalidade do equipamento e não a tecnologia.

Ademais, temos a parte restante do SICA. Seriam exatamente os 22 eventos que já foram disponibilizados pela COANA em relação à API-Recintos.  

Para tanto, temos, de forma abrangente, duas etapas:

  1. a coleta sobre operações de movimentação e armazenagem de cargas e sobre as operações de entrada, saída, e permanência de veículos e pessoas,
  2. o envio dos eventos, em tempo real, à RFB conforme a ocorrência de cada um deles no mundo real. 

Sem esquecer das atividades destinadas à transformação industrial ou à prestação de serviços. Por isso, presume-se que o Entreposto Aduaneiro pela IN RFB 241/2002 e as Zonas de Processamento de Exportação serão incluídos no novo ato da COANA. 

O importante papel da COANA

Com efeito, é importante lembrar que tais características possuem caráter geral. A missão de complementar a norma com os requisitos mínimos do SICA foi delegada à COANA. Lembrando que o mesmo foi feito no passado por meio dos ADEs COANA COTEC nº 3/2003 e 28/2010.

Em suma, a configuração sistêmica atual da API-Recintos ficaria da seguinte forma: 

  1. o sistema, denominado de SICA, a ser administrado pelo recinto alfandegado, onde serão registradas as informações de controle aduaneiro; 
  2. coleta das informações da entrada e saída de pessoas e veículos; movimentação e armazenamento de mercadorias;
  3. os eventos: conjunto de informações previstas no Anexo Único de Portaria Coana (ainda será publicada), que devem ser enviadas ao Portal Siscomex simultaneamente à ocorrência física das operações; 

Contudo, o envio das imagens captadas pelas câmeras não foi contemplado até o momento pela API-Recintos. O mais próximo que temos disso é a menção da câmera que monitora determinado espaço do recinto. Exatamente onde está ocorrendo o respectivo evento que será enviado à RFB.

Importante observar que praticamente quase todos os eventos possuem essa necessidade de atribuição da câmera. 

Agora devemos aguardar os próximos capítulos com a publicação dos atos normativos da COANA. Dessa forma, primordial para sabermos a configuração restante desse novo modelo de gerenciamento e fiscalização das atividades dos recintos alfandegados.  

Então até breve!